Recorrendo à história, encontramos em Gaspar Frutuoso, renomado cronista açoriano do século XVI, uma descrição vívida da freguesia de Calhetas. O autor escreveu:
“De Rabo de Peixe a um terço de légua, estão umas Calhetas em pontas e arrecifes de pedra, em que toma muito peixe de tarrafa e se fazem boas pescarias.”
Este testemunho sublinha não só a importância histórica e económica da pesca na região, mas também a singularidade geográfica que dá nome à freguesia. “Calhetas” evoca as pequenas enseadas, formações rochosas e recifes que moldam esta costa, dando-lhe um caráter próprio e inconfundível.
Originalmente, Calhetas era um lugar pertencente à freguesia de Rabo de Peixe, tendo-se desanexado a 16 de junho de 1835. Durante algum tempo, partilhou administração com a freguesia do Pico da Pedra, embora cada uma seguisse o seu próprio regimento.
Desde 2022, a junta de freguesia celebra o seu aniversário com uma sessão solene oficial, dando continuidade a um espírito de comemoração que, em anos anteriores, era promovido pela paróquia local através de celebrações comunitárias.
Da história à escola de hoje
A preocupação com a educação na freguesia de Calhetas remonta ao século XIX. Em 1871, foi feito o primeiro pedido oficial para a criação de uma escola pública no lugar das Calhetas, inicialmente destinada apenas ao sexo masculino, já que só mais tarde se reconheceu o direito à instrução formal para as meninas.
Este pedido foi apresentado pelo então Comissário de Estudos, Dr. Eugénio Canto, que via na educação um meio essencial para moralizar e desenvolver o povo, promovendo o progresso social e cultural da freguesia.
A primeira escola primária oficial seria criada apenas décadas depois, em 7 de julho de 1943. Mais tarde, em 1959, funcionaria também um posto escolar, reforçando a presença do ensino na vida da comunidade.
A escola de hoje
Atualmente, a freguesia de Calhetas conta com uma escola moderna e ativa, com salas para a pré-primária e o 1.º ciclo, frequentada por cerca de 50 crianças.
O edifício de dois pisos tem sido alvo de várias adaptações e melhorias ao longo dos anos, proporcionando melhores condições para o ensino e aprendizagem. Entre os espaços de destaque, encontram-se:
● Um pavilhão para atividades físicas e culturais;
● Um amplo recreio, onde se destaca uma imponente araucária, que oferece sombra e memória;
● Um alpendre coberto, ideal para momentos de lazer mesmo em dias de chuva.
Mais do que um edifício escolar, esta escola representa a continuidade de um esforço coletivo pela educação, que atravessa gerações e reafirma a importância do saber como pilar do desenvolvimento da freguesia.
O bordado dos Açores é uma forma de arte profundamente enraizada na cultura e na história do arquipélago. Com origens que remontam a séculos passados, esta tradição não é apenas uma expressão estética, mas também um reflexo fiel do quotidiano insular e das influências culturais que moldaram a identidade das ilhas ao longo do tempo.
Mais do que um símbolo cultural, o bordado açoriano possui também uma importância económica significativa. Durante gerações, foi fonte de sustento para muitas famílias nas Calhetas, com avós, mães e filhas a dedicar-se à minuciosa arte de bordar. O trabalho artesanal era vendido a cooperativas de bordado, que desempenharam um papel essencial na valorização e preservação desta herança.
Estas cooperativas, hoje extinta, produziam segundo rígidos padrões de qualidade, garantindo não só a beleza do bordado, mas também a autenticidade e continuidade da tradição açoriana.
As Origens do Chá nos Açores
A introdução da cultura industrial do chá nos Açores, em especial na ilha de São Miguel, remonta ao início da segunda metade do século XIX. No entanto, há registos que indicam que a planta do chá já existia no arquipélago desde o final do século XVII, ainda que sem expressão comercial significativa.
Um dos primeiros marcos históricos ligados à aclimatação do chá na região encontra-se num apontamento do Dr. Carreiro da Costa, que relata que a cultura do chá em São Miguel terá tido início com a chegada de algumas sementes provenientes do Brasil, por volta de 1820. Estas sementes foram trazidas pelo micaelense Jacinto Leite, natural da ilha, que, após ter contactado com a planta no Brasil, decidiu tentar a sua adaptação às condições climáticas dos Açores.
Segundo o relato, Jacinto Leite plantou as primeiras sementes numa propriedade sua localizada em Calhetas, na costa norte da ilha. Esta iniciativa pioneira viria a revelar-se determinante para o desenvolvimento futuro da cultura do chá em São Miguel, que, anos mais tarde, se transformaria numa importante atividade económica e cultural, com destaque para as históricas fábricas ainda em atividade.
Este episódio testemunha a visão empreendedora de um açoriano que, inspirado por experiências além-mar, deu os primeiros passos para a criação de uma das marcas mais emblemáticas da agricultura micaelense.
O cultivo do tabaco como sustento
No último quartel do século XIX, as indústrias de maior peso económico nos Açores começaram a afirmar-se com destaque, especialmente nos setores do tabaco e da destilação do álcool produzido a partir da batata-doce e do milho.
A primeira fábrica de tabacos foi inaugurada em 1866. Após um período inicial dedicado a experiências e à formação do pessoal, a indústria do tabaco rapidamente prosperou, tornando-se uma das atividades económicas mais relevantes da época.
Nas Calhetas, o cultivo do tabaco teve particular expressão, para além do cultivo, contou com um estaleiro destinado à secagem da folha, etapa essencial para garantir a qualidade do produto final. Esta atividade agrícola e industrial foi, durante muitos anos, sustento para inúmeras famílias locais, envolvendo diretamente tanto homens como mulheres na sua produção e processamento.
Este legado industrial marcou profundamente a economia e o modo de vida da freguesia, refletindo o esforço e a dedicação das comunidades que, através destas atividades, conseguiram consolidar uma base económica sólida no final do século XIX.